Hugo de São Victor
(1096-1141)
SERMÃO XIV: DAS VESTES SAGRADAS, POR OCASIÃO DE UM SÍNODO, OU DA FESTA DE SACERDOTES CONFESSORES
(Sermone Centum)
“Revistam-se, ó Senhor, os teus sacerdotes de justiça”. Salmo 131, 9
É necessário, irmãos caríssimos, que nós que exercemos o sacerdócio na casa de Deus vivamos neste sacerdócio uma digna justiça e nos revistamos, neste ofício, com vestes honestas, ou melhor, que exerçamos as virtudes que são significadas por estas vestes. De que nos aproveitará, efetivamente, que nos ornamentemos com as vestes, se não nos ornamentarmos com as virtudes? Se víssemos um sacerdote celebrar a missa sem as vestimentas sacerdotais, sem alba, sem estola, sem insígnias sacerdotais, certamente isto nos admiraria muito e com grande horror detestaríamos semelhante ministro. Se, portanto, deve ser detestado quem se aproxima do altar sem as vestes adequadas, quão detestável e quão horrível não será quem presumir aproximar-se dele repleto de vícios e carecendo de virtudes? Tanto quanto difere qualquer prato da comida, tanta é a diferença entre o que significa e o significado. As vestes significam, as virtudes são significadas. As vestes ornamentam exteriormente diante do povo, as virtudes recomendam o ministro interiormente diante de Deus. Assim como, portanto, não ousamos aproximar-nos do altar sem as vestes, assim também não presumamos aproximar-nos sem virtudes.
Examinemos, portanto, quais são estas vestes, e quais são as virtudes por elas significadas. As vestimentas são a alba interior e a alba exterior; o amito sobre os ombros, que podemos chamar de super humeral; o cíngulo, a estola, o manípulo, a casula. Antes de tudo o mais o sacerdote deve depor suas vestimentas habituais, lavar as mãos e revestir-se de vestimentas brancas. Depor as vestimentas habituais significa a renúncia ao homem velho, a ablução das mãos significa a confissão dos crimes e a tomada das novas vestimentas a prática das virtudes. A alba interna é o interior, a externa o exterior. Aquela permanece oculta, esta é manifesta. Aquela se esconde, esta se revela. Por causa disto a interior significa a pureza do coração, a exterior a pureza do corpo. O super humeral, que é colocado sobre os ombros, onde costumam colocar-se os pesos, significa a paciência nos trabalhos presentes, que nos é necessária se quisermos ser verdadeiros sacerdotes. De onde que, dos que a perderam está escrito: “Ai dos que perderam a paciência”.Ecl. 2, 16. E o Senhor, louvando no Evangelho a paciência, diz: “Na vossa paciência possuireis as vossas almas”. Luc. 21, 19. Sustentemos, portanto, irmãos, tudo o que nos suceder de adverso, para que “assim como recebemos os bens da mão de Deus, assim também haveremos de receber os males”. Jó 2, 10.
O cíngulo, que circunda os rins e estreita as vestimentas para que não esvoacem, sugere a virtude da continência, que refreia o fluxo lascivo de nossa luxúria. A estola, que é colocada ao pescoço, designa o suave jugo do Senhor, do qual o Senhor nos diz no Evangelho: “O meu jugo é suave e o meu fardo é leve”. Mat. 11, 30.
Segue-se-lhe o manípulo, que pende do braço esquerdo, que nada mais denota do sacramento, senão ser ali colocado como uma cautela, para que o sacerdote não faça nada em seu ministério sem cautela e com negligência, mas realize tudo com diligência, como alguém que está na presença de Deus e dos santos anjos. Significa, portanto, a cautela pela qual evitamos o que devemos evitar e fazemos o que devemos fazer. O ministro do Senhor, revestido e adornado com todas estas coisas, ainda não está apto para o ofício sacerdotal, nem presume cumpri-lo se não acrescentar e superpor a todas estas uma sétima, que é dita casula. Esta vestimenta é mais excelente que as demais e mais eminente do que todas. Que virtude diremos ser significada por ela, senão a caridade, da qual diz o Apóstolo: “Vou mostrar-vos um caminho ainda mais excelente. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como um bronze que soa ou como um címbalo que tine” I Cor. 12, 31-13, 1.
Palavras que vossa fraternidade bem conhece. Ele, de quem era bem evidente possuir tantos dons espirituais e virtudes, diz, todavia, da caridade: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, ainda que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de transportar os montes, ainda que distribuísse todos os meus bens e entregasse meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, nada me aproveitaria”.1 Cor. 13, 1-3.
Bem-aventurada virtude da caridade! E bem-aventurado será somente aquele que até o fim nela perseverar. Quem, portanto, com as demais virtudes possuir a caridade, este é sacerdote. E quem, ainda que possua as demais sem ela, sacerdote não é. Se queremos, portanto, e o devemos, ser verdadeiros sacerdotes, tenhamos a alba interior pela pureza do coração e a exterior pela pureza do corpo; o super humeral pela paciência, o cíngulo pela continência, a estola pela obediência, o manípulo pela cautela, a casula pela caridade fraterna. Armados com tudo isto, ofereçamos santa e religiosamente o holocausto ao Senhor e de nós será dito o que está escrito: “Vós sois gente eleita, sacerdócio real”. 1 Pe. 2, 9.
Tais foram os santos cuja solenidade hoje celebramos. Tais, irmãos caríssimos, procuremos ser, para que nos revistamos de justiça, e tornados com eles participantes dos méritos, mereçamos também tornar-nos sócios dos prêmios. Que pelos seus méritos e por sua intercessão aquele que vive e reina se digne vir em nosso auxílio.