terça-feira, 17 de abril de 2012

A Lei Natural

Por Walfran Fonseca

Para fazer o “homem bom”, além do corpo e da mente, é necessário cultivar e formar a vontade e a liberdade.

A liberdade é dada ao ser humano para que se torne o artífice de si mesmo. Com a liberdade, ele toma, nas mãos, o próprio ser e plasma-o à sua vontade; pode torna-lo paciente, culto, gentil, generoso, casto, piedoso ou agressivo, rude, invejoso, ganancioso, luxurioso etc.

A liberdade não é sinônimo de bondade, porque nem tudo aquilo que a pessoa faz com a sua liberdade contribui para o aperfeiçoamento e realização do seu ser, ou seja, a alcançar o fim último. Assim, se a pessoa escolhe livremente fazer aquilo que é conforme o fim último, então realiza uma ação boa; se ao invés a sua escolha permanece naquilo que não é conforme o fim último, então realiza uma ação má.

A lei natural nos permite determinar a qualidade das nossas ações, enquanto nos mostra se elas estão ou não em harmonia com o fim último. Devemos reconhecer que cada realidade possui, estruturalmente, uma tendência a determinados bens que são capazes de completar e enriquecê-la. Em cada um de nós, encontramos uma inclinação, uma tendência, um dinamismo para o bem proporcionado que constitui a perfeição que nos é própria.

Contudo, o modo como as diversas realidades tendem ao fim é diferente, conforme elas possuam ou não inteligência e liberdade. Todos os seres obedecem a uma “lei natural”, têm um dinamismo próprio e intrínseco e uma tendência aos bens que se conformam a eles. Por isso, a pessoa humana, enquanto age segundo razão e liberdade, é chamada a descobrir as aspirações profundas da própria natureza e a tender responsavelmente para aqueles bens que são conforme às exigências inscritas no próprio ser.

Portanto, a lei natural existe em todos os seres, mas somente a pessoa humana tem a capacidade e a tarefa de descobrir os ditames e segui-la exercitando a própria vontade livre. Assim, devemos fazer uma distinção entre a lei natural “física”, que nos leva a agir de modo determinado e necessário, segundo a própria natureza, e a lei natural “moral”, que nos obriga, enquanto seres inteligentes, como imperativo moral, mas sem nos constranger fisicamente.

Segundo a filosofia cristã, a lei natural é a lei eterna de Deus comunicada à criatura com e mediante a natureza. Tudo que existe ou pode existir está sujeito à divina Providência e é regulada pela lei eterna. A lei natural pode ser definida como o “programa” inscrito pelo Criador no ser humano e, por isso, ele possui em si o critério para distinguir as ações boas e morais das más e imorais.

A pessoa, enquanto ser racional, participa da lei eterna conforme à própria natureza inteligente e livre. Assim, diferentemente, dos animais que participam da lei natural através do instinto, e dos seres inanimados que participam mediante uma disposição puramente física ou mecânica, a criatura humana tem a faculdade de escolher a modalidade para realizar-se. Isto significa que devemos “apropriar-nos” da lei que regula a própria natureza, tornando-a consciente. Essa apropriação em nível de consciência e responsabilidade implica sobretudo a descoberta dos princípios da lei natural e a orientação do próprio comportamento em conformidade com tais princípios.

A lei natural exprime as finalidades próprias da natureza humana e indica a ordem racional segundo a qual a pessoa é chamada pelo Criador a dirigir e regular a sua vida e os seus atos. O princípio fundamental que brota da natureza humana é que a criatura racional, no seu modo de agir, deve respeitar a tipologia da própria natureza; ela deve agir “racionalmente”, que para todo ser humano significa: “é preciso fazer e buscar o bem e evitar o mal”.

Esse princípio universalíssimo é evidente e noto a todos. Contudo, é preciso individuar o bem que se deve fazer e o mal que se deve evitar. A razão colhe espontaneamente sob o aspecto de bem tudo aquilo que corresponde às tendências essenciais e inatas da natureza e julga como mal tudo aquilo que contrasta com as inclinações naturais. As inclinações são: a tendência à conservação da própria existência; a tendência à conservação da própria espécie; e enfim, a tendência a conhecer a verdade e a viver em sociedade.

Dessa maneira, a lei natural tem três características fundamentais: a universalidade, a imutabilidade e a cognoscibilidade. É universal porque comum a todos os seres humanos; é imutável porque não mudando a essência humana permanecem imutáveis as exigências de bem; é cognoscível porque todas as pessoas podem conhece-la nos seus princípios fundamentais que lembram constantemente o bem que se deve realizar e o mal que se deve evitar.

Para compreender melhor essas três características da lei natural, é importante sublinhar que a existência da lei e a consciência da lei são duas coisas distintas. Assim, a consciência de qual seja o bem que se deve perseguir e o mal que se deve evitar pode ser diferente conforme o povo, a cultura, o tempo; ela está sujeita a progressos e as vezes também a retrocessos, se é ofuscada pelas paixões, ou também se é desviada por costumes contrários à lei natural e radicados profundamente na cultura de um povo.

Fonte: http://philosophus.walfran.com/?paged=2

A Lei Natural - Cícero


“XXII - A verdadeira lei é a reta razão em harmonia com a natureza, difundida em todos os seres, imutável e sempiterna, que, ordenando, nos chama a cumprir o nosso dever, e, proibindo, nos aparta da injustiça. E, não obstante, nem manda ou proíbe em vão aos bons, nem ordenando ou proibindo opera sobre os maus.

Não é justo alterar esta lei, nem é lícito derrogá-la em parte, nem ab-rogá-la em seu todo. Não podemos ser dispensados de sua obediência, nem pelo Senado, nem pelo povo. Não necessitamos de um Sexto Aelio que no-la explique ou no-la interprete.

E não haverá uma lei em Roma e outra em Atenas, nem uma hoje e outra amanhã, ao invés, todos os povos em todos os tempos serão regidos por uma só lei sempiterna e imutável.

E haverá um só Deus, senhor e governante, autor, árbitro e sancionador desta lei. Quem não obedece esta lei foge de si mesmo e nega a natureza humana, e, por isso mesmo, sofrerá as maiores penas ainda que tenha escapado das outras que consideramos suplícios.” (De republica, III, 22).

Tradução da obra LA REPUBLICA, Marco Túlio Cicerón, edición española, Aguilar S A, 1979,
Libro III, XXII, pág. 100.

domingo, 1 de abril de 2012

A Cruz de Cristo, a quem incomoda?


512 anos após a Missa que oficializou a fundação do Brasil, o sagrado símbolo da Cruz é retirado do recinto de Tribunais: grave sintoma de irreligiosidade, contrário aos sentimentos e à tradição do nosso povo.

Frederico R. de Abranches Viotti | Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
http://www.ipco.org.br/home/noticias/a-cruz-de-cristo-a-quem-incomoda

Era a manhã de uma sexta-feira quando o Filho de Deus passou por Jerusalém carregando o símbolo dos criminosos: a Cruz, sobre a qual morreria. O símbolo dos criminosos era ali levado pelo inocente, condenado pela covardia daquele juiz que preferiu lavar suas mãos e omitir-se ao invés de aplicar a justiça.

O sacrifício da Cruz é o ápice de toda a obra Redentora. Como uma nova estrela de Belém que guiou os Reis Magos até o Menino Jesus, a Cruz indica o caminho da salvação para a humanidade redimida, atraindo-a a fazer o bem e a evitar o mal. "Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,32).

Durante séculos, a Cruz foi vencendo o paganismo, aplacando as injustiças e formando a mentalidade dos homens e das instituições, que vieram a constituir, posteriormente, a realidade conhecida como o mundo ocidental e cristão. Em memória disso, no centro da Praça de São Pedro, no Vaticano, há um grande obelisco encimado pela Cruz de Cristo, representando o triunfo da Fé sobre o paganismo.

Era a misericórdia da Cruz substituindo as arenas romanas e a cólera guerreira dos bárbaros. O Império Romano desabou com a invasão dos bárbaros e se converteu pelo exemplo dos cristãos. Onde antes imperavam "deuses" criados à imagem dos defeitos humanos, entrava agora o Deus que ensinava a moral, elevando os homens a uma dignidade superior a seus defeitos, libertando-os do peso do pecado e introduzindo o autêntico conceito de justiça.

A Cruz, símbolo da Justiça

A justiça não era mais um capricho da Roma pagã - ou a aplicação fria de um princípio abstrato -, mas um ato de equidade que devia transparecer com bondade e sabedoria, resolvendo conflitos inerentes a toda vida em sociedade.

Na sociedade ocidental e cristã, a Cruz está no fundamento da Justiça. Foi nessa região do mundo que se desenvolveu o nosso sistema legal e jurisdicional, foi sob o influxo dos princípios cristãos que se buscou estabelecer o que é justo e legítimo e, em consequência, definir o que deve ser legal ou ilegal.

Ademais, a Cruz é uma lembrança constante de como a Justiça deve ter cuidado para não ser injusta. Assim como o supremo inocente, Nosso Senhor Jesus Cristo, foi condenado pelo supremo covarde, Pôncio Pilatos, deve o julgador estar atento para não cometer o mesmo absurdo.

Pôncio Pilatos teve medo daquela aparente maioria que pedia a morte do inocente. Em nome dessa maioria, ele sacrificou a verdade. A Justiça, sob o signo da Cruz, deve lembrar sempre que a busca da verdade - e não a busca do aplauso - é a obrigação primeira. Também por isso, está a Cruz presente nas salas de audiência e julgamento em nosso País, lembrando constantemente não apenas as obrigações do juiz para com a verdade, mas a origem e a finalidade da Justiça.

A quem, então, incomoda a Cruz?

Quando o governo federal lançou o novo Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), vários grupos católicos chamaram a atenção para a incompatibilidade desse plano com a moral católica. Em poucas palavras, se aplicado, o PNDH-3 levaria a uma verdadeira perseguição religiosa no Brasil.

Um dos itens previstos nesse PNDH era a retirada de crucifixos de repartições públicas e tribunais.

A Cruz incomoda o movimento de homossexuais. Desagradada pela presença do crucifixo no Tribunal do Rio Grande do Sul, certa Liga Brasileira de Lésbicas, entrou com "pedido" junto ao Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) para que os crucifixos fossem retirados das salas daquele órgão do Poder Judiciário.

Segundo noticiado pela imprensa, o referido Conselho de Magistratura acatou esse pedido por unanimidade, ordenando a retirada dos crucifixos. O relator da matéria foi o desembargador Cláudio Baldino Maciel, que considerou necessário retirar os crucifixos das salas de julgamento por ser esse o "único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um Estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios". Com isso, argumenta o desembargador, estaria se demonstrando que o Estado-juiz é equidistante de todos os valores.

Na realidade, o "Estado-juiz", ao pretender retirar os crucifixos, está demonstrando abraçar outros valores, diversos daqueles que estão representados no Crucifixo.

Mas não é só isso. O Brasil é um Estado laico desde a proclamação da República, em 1889, ou seja, há 122 anos. Se a presença do crucifixo fosse contrária ao laicismo brasileiro, ele teria sido retirado em 1889, e não em 2012.

Mesmo sendo o Brasil um Estado laico, sua sociedade é profundamente religiosa. O Poder Judiciário, um dos três poderes do Estado, não existe meramente como uma abstração legal, mas existe dentro da realidade desse país que é o Brasil, dessa sociedade de brasileiros que vivem em nosso território. Um território descoberto por caravelas que aqui aportaram ostentando a Cruz de Cristo, tendo como primeiro ato oficial uma santa Missa, e em cujo céu figura, luminoso, o Cruzeiro do Sul. Um país que tem no Cristo Redentor um de seus mais conhecidos cartões-postais e cujas cidades adotaram não raramente nomes de santos.

Por essas e outras, a própria Constituição do Brasil começa pedindo a "proteção de Deus" em seu preâmbulo, deixando patente que o laicismo, como entendido em nosso País, não é contrário à religião e não pode ser usado como um instrumento a serviço da cristianofobia, isto é, dessa tendência, em ascensão em várias partes do mundo, de perseguir o cristianismo e seus adeptos.

Não estranha, nesse sentido, que os mesmos julgadores que decidiram retirar os símbolos cristãos, possam conviver pacificamente com os símbolos pagãos como a estátua da deusa Themis, ostensivamente colocada na fachada do Palácio de Justiça de Porto Alegre.

A decisão do Conselho de Magistratura do TJ-RS abre um perigoso precedente nessa matéria, indicando não apenas uma tentativa de reinterpretar o laicismo no Brasil, mas também criando um verdadeiro divórcio entre o Estado e a sociedade.

O Laicismo, uma nova religião?

Se não bastasse tudo isso, há um problema de fundo que fica evidenciado com a decisão de retirar crucifixos das salas de audiência do TJ-RS.

O laicismo agressor, no Brasil, sempre foi mitigado pela religiosidade da população, respeitando limites, sem interferir na esfera religiosa. Contudo, se a pretexto do laicismo o Estado passar a "regular" a prática religiosa (mesmo em prédios públicos), ele estará quebrando esses limites.

Em outros termos, retirar símbolos religiosos em nome do laicismo é o mesmo que dizer que cabe ao Estado decidir o que a sociedade pode ou não pode fazer em matéria de expressão religiosa. O laicismo acaba assim sendo perigosamente transformado em um valor religioso, numa religião oficial do Estado laico.

Religiosos e Juristas discordam da decisão do TJ-RS

O Conselho de Magistratura do TJ-RS não foi o primeiro a tratar dessa matéria. Dom Keller, bispo de Frederico Westphalen (RS), em nota pastoral, lembra que o Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2007, analisou questão análoga e decidiu que a presença de crucifixos em dependências de qualquer órgão do judiciário "não viola, não agride, não discrimina e nem sequer perturba ou tolhe os direitos e a ação de qualquer tipo de pessoa".

Em sua nota pastoral, Dom Keller lamenta que o tribunal de Justiça tenha se dobrado "diante da pressão de um grupo determinado, ideologizado e raivoso, contrariando a opinião da grande maioria da população do Estado do Rio Grande do Sul".

Também a Associação de Juristas Católicos discordou da decisão do Conselho de Magistratura do TJ-RS e enviou representação ao tribunal solicitando a reconsideração da medida.

Por sua vez, noticiou a "Folha de S. Paulo", "dois desembargadores declararam oposição à medida e anunciaram que não vão retirar o símbolo religioso de suas salas até que haja decisão definitiva sobre o caso. Um dos desembargadores que se opõem à decisão, Carlos Marchionatti, diz que o Conselho da Magistratura não é a instância adequada para tratar do assunto e que a separação entre Igreja e Estado não é absoluta no país. A maioria tem sentimento religioso, o hino nacional tem referência à divindade. Cristo, no âmbito do Judiciário, representa a Justiça", diz. Em artigo, o ex-ministro da Justiça e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Paulo Brossard, criticou a medida como sinal de "tempos apocalípticos" (FSP, 17-3-12).

Conclusão

A interpretação do Conselho de Magistratura do TJ-RS parece ignorar a realidade brasileira ao defender uma espécie de "ação afirmativa" (um laicismo proativo), querendo obrigar a uma mudança profunda nas raízes religiosas e culturais da nação brasileira.

Esperemos que a reação da sociedade a essa medida seja suficientemente clara e firme para derrubá-la, pois a Cruz não é um incômodo, mas sim um farol lembrando a todos que devemos fazer o bem e, em particular aos juízes, que devem julgar segundo os princípios da Justiça.

Mas se, pelo contrário, prevalecer essa nova interpretação do laicismo no Brasil, não tardará aparecer quem proponha arrancar o Cristo Redentor do alto do Corcovado. Ou que sejam alterados os nomes das cidades como São Paulo, Santa Catarina, Santa Rita, São Pedro e tantos e tantos outros lugares deste nosso imenso Brasil, outrora também conhecido como Terra de Santa Cruz.

Fonte:
http://www.ipco.org.br/home/noticias/a-cruz-de-cristo-a-quem-incomoda