terça-feira, 18 de dezembro de 2018

As Quatro Têmporas




As Quatro Têmporas ( Quatuor Tempora, em latim) são celebrações litúrgicas da Igreja, ligadas às mudanças das quatro estações e instituídas para a santificação do ano civil. Eram consideradas tempos especiais de vigília e oração, durante os quais a Igreja procedia à ordenação de novos sacerdotes e recomendava aos católicos o jejum e a abstinência de carne.

Olhando-as a partir do hemisfério sul, temos:

as Têmporas da Quaresma, na primeira semana deste tempo litúrgico, marcando o início do outono;
as Têmporas de Pentecostes, celebradas na Oitava desta solenidade, marcando o início do inverno;
as Têmporas de São Miguel, em setembro, que indicam a passagem da primavera; e
as Têmporas do Advento, em dezembro, anunciando a chegada do verão.

Segundo a Legenda Áurea, do bem-aventurado Tiago de Varazze, teria sido o Papa São Leão Magno a estabelecer, no século V, essas comemorações. O Liber Pontificalis faz referência ao Papa Calisto, nos anos 200, mas sua origem, provavelmente, é ainda anterior a isso, datando da época dos Apóstolos.

Havia nelas, em primeiro lugar, uma relação de continuidade com o Antigo Testamento (cf. Zc 8, 19), pois os judeus costumavam jejuar quatro vezes por ano: uma por ocasião da Páscoa; uma antes de Pentecostes; outra antes da Festa dos Tabernáculos, em setembro; e uma última, por fim, antes da Dedicação, que se dava em dezembro. Desde o começo, também, essa instituição serviu como uma forma de "cristianizar" os festivais pagãos que aconteciam em Roma, em torno da agricultura e das estações.

Os dias em que se faziam esses jejuns sazonais eram a quarta, a sexta-feira e o sábado:

a quarta, por ser o dia em que o Senhor foi traído por Judas Iscariotes;
a sexta, por ser o dia de sua crucificação; e
o sábado, por ser o dia em que ele passou no túmulo e no qual os Apóstolos ficaram de luto por sua morte.

Também essa é uma prática imemorial, mencionada, por exemplo, pelo Didaquê, um dos mais antigos escritos cristãos de que se tem notícia.

Da "Cidade Eterna", a observância das Quatro Têmporas se difundiu por todo o Ocidente ainda na Alta Idade Média, sendo confirmada mais tarde pela autoridade de vários pontífices romanos — dentre eles, o Papa São Gregório VII, que reinou na Igreja de 1073 a 1085.

O alcance desse costume foi tão amplo a ponto de influenciar a culinária do Extremo Oriente: o tempurá, prato feito à base de mariscos e vegetais, nasceu no Japão do século XVI graças à atuação de missionários espanhóis e portugueses.

As Têmporas hoje

Uma celebração assim tão importante não poderia simplesmente ser abolida, sem mais nem menos. E de fato não foi, ainda que a sua influência tenha diminuído a olhos vistos.

No Missal de 1962, as Têmporas eram observadas como "férias de segunda classe", dias feriais de especial importância, que se sobrepunham inclusive a certas festas de santos. Cada dia tinha a sua Missa própria. Hoje, no entanto, ficou sob o encargo das conferências episcopais e das dioceses determinar o tempo e o modo de celebração das Quatro Têmporas, de acordo com prescrição da Sagrada Congregação para o Culto Divino. Em 1966, a Constituição Apostólica Paenitemini, do Papa Paulo VI, confirmou todas as sextas-feiras do ano como dias penitenciais, mas, ao mesmo tempo, os jejuns das Têmporas deixaram de ser obrigatórios.

Por que continuar jejuando, afinal, nessas épocas específicas do ano, é novamente o beato Tiago de Varazze que nos explica. O escritor medieval apresenta em sua Legenda Áurea pelo menos oito razões para mantermos essa piedosa tradição, ainda que ela tenha caído no esquecimento em nossos dias. Eis abaixo algumas delas:

  • Resistirmos aos efeitos provocadas pelas estações, "pois a primavera é quente e úmida, o verão quente e seco, o outono frio e seco, o inverno frio e úmido. Jejuamos na primavera para temperar em nós o humor nocivo que é a luxúria; no verão para castigar o calor prejudicial que é a avareza; no outono para temperar a secura do orgulho; no inverno para atenuar o frio da infidelidade e da malícia."


  • Atenuarmos as tendências desordenadas de cada temperamento, pois "o sangue aumenta na primavera, a bílis no verão, a melancolia no outono e a fleuma no inverno. Consequentemente, jejua-se na primavera para debilitar o sangue da concupiscência e da louca alegria, pois o sanguíneo é libidinoso e alegre. No verão, para enfraquecer a bílis do arrebatamento e da falsidade, pois o bilioso é por natureza colérico e falso. No outono, para acalmar a melancolia da cupidez e da tristeza, pois o melancólico é por natureza invejoso e triste. No inverno, para diminuir a fleuma da estupidez e da preguiça, pois o fleumático é por natureza estúpido e preguiçoso."


  • Adquirirmos as virtudes próprias de cada idade da vida, pois "a primavera relaciona-se à infância, o verão à adolescência, o outono à maturidade ou idade viril, o inverno à velhice. Jejuamos então na primavera para conservar a inocência de crianças; no verão para consolidar a força, evitando a incontinência; no outono para recuperar a juventude através da constância e ratificar a maturidade através da justiça; no inverno para ficar velhos com prudência e honestidade e para pagar as ofensas que fizemos ao Senhor nas outras idades."


O rol de motivos por que devemos fazer penitência não se esgota, evidentemente, nestas linhas. Assim como as quatro estações vão se substituindo ano após ano, e sem nenhuma trégua, assim também nós, conscientes da fragilidade de nossa carne e desejosos de reparar os Corações Imaculados de Jesus e de Maria, devemos viver em atitude permanente de mortificação.