Santo Tomás nos ensina que o fundamento da humildade é a reverência para com Deus. É por isso que Santo Agostinho relaciona a humildade ao dom de temor de Deus, pelo qual o homem honra a Deus. A humildade nos faz submeter-nos a Deus. Ela é então radicalmente oposta ao Liberalismo, que não é senão o orgulho erigido em sistema. O liberal quer ser livre de toda sujeição, como se submeter-se a Deus fosse um mal, quando na verdade é não somente a única atitude que convém à criatura, mas também o único meio de ser feliz, pois só podemos ser felizes se obtivermos o fim para o qual fomos criados que é o próprio Deus.
Mas vejamos o que nos diz São Bento, menos especulativo que Santo Tomás e Santo Agostinho, mas eminentemente prático na aplicação dos mesmos princípios enunciados por estes santos Doutores.
São Bento se propõe a educar os monges, adultos ou crianças, que se apresentam à porta do mosteiro. Como o faz? Ele lhes repete a palavra do Evangelho: “O que se humilhar será exaltado e o que se exaltar será humilhado” (Lc. 14, 11) e ele faz preceder esta citação destas palavras: “A Sagrada Escritura, meus irmãos, nos faz ouvir este grito:”. São Bento quer assim atrair toda a nossa atenção para este ponto decisivo de toda educação. É preciso fazer-se pequeno se se quer que o bom Deus se encarregue de nós e nos faça grandes pela participação de sua natureza divina. Eis a educação beneditina: o aprendizado da santidade.
São Bento vai em seguida enumerar doze graus pelos quais se chega à perfeição tanto pela humildade como pela caridade, pois ser exaltado, nos textos da Escritura, não quer dizer outra coisa senão ser santificado nesta vida e glorificado na outra e isto se faz essencialmente pela caridade.
São Bento começa pelo interior para terminar na postura exterior do monge.
São Francisco de Sales concorda plenamente com esta maneira de proceder de São Bento. Eis o que ele diz: “Eu não poderia jamais aprovar o método que, para mudar o homem, começasse pelo exterior, pelos modos, pelos hábitos, pelos cabelos. Parece-me, ao contrário, que é necessário começar pelo interior, porque quem tem Jesus Cristo em seu coração, logo depois O tem em todas as suas ações exteriores.”
Assim, já estamos suficientemente informados sobre a humildade e sobre os métodos educacionais de São Bento para começar a estudar os doze graus propostos pelo patriarca dos monges do Ocidente.
Uma última palavra, desta vez de São Bernardo, nos colocará ainda melhor no bom caminho. O santo abade de Claraval define a humildade como a virtude que faz com que nos desprezemos, em conseqüência de um verdadeiro conhecimento de nós mesmos. A humildade é a verdade, dizia Santa Teresa d’Ávila.
Comecemos, então, nosso estudo. Tomemos o resumo do capítulo da humildade feito pelo Pe. Emmanuel do Mesnil de St. Loup:
- Ter sempre diante dos olhos o temor de Deus e, conseqüentemente, manter-se em guarda contra todos os pecados, notadamente contra a vontade própria;
- Renunciar a seus próprios desejos, resultado da renúncia à vontade própria;
- Submeter-se com toda a obediência a seu superior, por amor de Deus;
- Aceitar em paz as ordens difíceis, mesmo os maus tratos e injúrias;
- Descobrir ao superior os pensamentos, mesmo os maus, que vêm ao espírito;
- Contentar-se com o que há de mais vil e mais abjeto;
- Considerar-se a si mesmo, do fundo do coração, como o último de todos;
- Seguir simplesmente a regra comum, e fugir de toda singularidade;
- Guardar o silêncio até que seja interrogado;
- Não ser muito fácil em rir;
- Falar calmamente, com gravidade, em poucas e razoáveis palavras;
- Trazer a humildade em seu coração e em todo o seu exterior, baixando os olhos como um criminoso que se considera como estando no momento de ser chamado ao terrível tribunal de Deus;
Eis o resumo dado pelo Pe. Emmanuel. Todo resumo diminui um pouco o pensamento de um autor, mas o resumo tem a vantagem de colocar diante de nossos olhos uma vista de conjunto do assunto tratado. Nós vemos aí que São Bento começa pelo interior para terminar na postura exterior. Ele começa pela presença de Deus para terminar também com esta mesma presença. Inicialmente, o efeito desta presença no interior da alma é o temor. O temor pode ser servil ou filial. Ambos fazem com que o homem se submeta a Deus, mas somente o segundo entra com ele no céu. Ao final o Santo Patriarca acrescenta que também o corpo deve estar repleto deste mesmo temor, que é a reverência para com Deus.
O quadro não estaria completo se São Bento se tivesse esquecido de falar explicitamente da caridade, que segue, passo a passo, todos os graus da humildade ou, ao menos, une-se ao monge a um dado momento desta subida. É ela que anima o monge, e a todo cristão, nesta ascensão para o Deus de toda bondade. Escutemos São Bento nos falar desta caridade, quando o monge chega ao último dos doze graus da humildade:
“O monge, tendo pois alcançado todos estes graus da humildade, chegará logo a esta caridade de Deus, a qual sendo perfeita, lança fora o temor e faz com que tudo o que ele observava antes com um sentimento de terror, comece agora a realizar sem nenhuma dificuldade, como que naturalmente e por um hábito adquirido; não mais por temor do inferno, mas por amor a Cristo, pelo bom costume e atrativo próprio das virtudes que o Senhor se digna fazer nascer em seu servo purificado de seus vícios e de seus pecados.”
O Liberalismo não conhece o temor, mas não conhece também a caridade. O Liberalismo elimina o temor, mas elimina também a caridade. O Liberalismo atrai, pois ele parece ter chegado ao alto da escada, mas na verdade não pôs os pés nem no primeiro degrau. O catolicismo, ao contrário, sabe ter o rosto antipático da verdadeira bondade, segundo a expressão de um ilustre escritor. Antipático ao pecado, mas sorridente à virtude. Somente o catolicismo sabe unir severidade e bondade, humildade e magnanimidade, para chegar a esta caridade que elimina o temor servil, para deixar permanecer somente este temor reverencial, todo cheio de santa intimidade entre a alma e seu Criador e Salvador.
Num próximo boletim, se Deus nos der a graça, nós retomaremos cada grau, ou um a um, ou alguns, para nos aprofundarmos no conhecimento do pensamento de São Bento, que formou milhares de santos, monges e leigos, e moldou a Europa católica, farol do mundo inteiro.
Para dar um antegosto daquilo que ilustres comentadores escreveram sobre cada um dos graus da humildade, escutemos Dom Etienne Salasc, monge cisterciense, que comenta o décimo primeiro grau:
“Pertence ao monge, que entrou ostensivamente na milícia de Cristo, imitar Jesus Cristo em sua linguagem cheia de mansidão, isenta do riso inconveniente, sempre humilde e séria, sóbria, razoável, jamais ruidosa, incessantemente temperada com o sal da sabedoria. Diante destas formas de uma correção tão perfeita e tão atraente, o desejo da imitação se impõe com tanto mais encanto quanto mais se reconhece nesses bons efeitos da humildade as características de uma perfeita civilidade e de uma educação completa. Acontece com a humildade assim como com a verdadeira piedade: ela é útil para tudo, trazendo consigo as promessas que lhe são inerentes para a vida presente e para a vida futura. O verdadeiro cristão não é inferior em nada a um cavalheiro.”
E sobre o décimo grau, que poderia parecer excluir qualquer tipo de alegria no claustro, eis aqui o sábio comentário do mesmo autor:
“O riso é uma necessidade da natureza que depende muito da diversidade dos temperamentos mais ou menos sensíveis às causas que o estimulam. Seria absurdo querer interditá-lo radicalmente. Essa não é a condição imposta à humildade, e este não era o pensamento de nosso Pai São Bento. Mais que isso, o riso é uma distensão às vezes necessária.”
A bem da verdade, o que quer São Bento com o décimo grau da humildade é que o monge (e isso vale para todos os cristãos) saiba excluir as vulgaridades incompatíveis com a “inexprimível seriedade da vida cristã”, como diz Bossuet.
Nós recomendamos a todos os que querem aprofundar-se no conhecimento dessas lições de humildade o excelente livro do Rev. Pe. G. A. Simon “A Regra de São Bento Comentada para os Oblatos e os Amigos dos Mosteiros” editado em francês nos anos trinta e reeditado pelas Edições de Fontenelle em 1982. Infelizmente este livro nunca foi traduzido para o português, que eu saiba.
O Pe. Simon comenta com grande erudição e grande bom senso toda a Regra. Ele no-la faz melhor compreender para melhor vivê-la. Que todos possam encontrar nesta Regra que é, segundo Bossuet, “um condensado do cristianismo, um douto e misterioso resumo da doutrina do Evangelho”, uma preciosa ajuda para tudo restaurar em Cristo, como o queria São Pio X.
Irmão Tomás de Aquino, O.S.B
EXCELENTE
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